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Rotas do Vento

Nepal: Panoramas dos Himalaias – João Matos Luís

Havia alguém que dizia antes de eu partir para o Nepal que aquilo era no fim do mundo. Ah, houve também alguém que foi comigo que relembrou que o era apenas se começarmos a contar de cá. De facto, também nós vivemos no fim do mundo. Para essa gente de paragens longínquas também o mundo do lado de cá é todo ele muito estranho…

À medida que o tempo passa e as memórias se desvanecem fica-me o sentimento de quem realterou e questionou muitos valores. De quem guarda imagens no pensamento e se deixa envolver por um modo de vida tão estranho e no entanto tão atraente…
Conforme revejo as fotos daquilo que, foram apenas as minhas férias grandes, um sentimento nostálgico apodera-se de mim. Houve uma parte de mim que se perdeu no Nepal e outra nova que trouxe comigo. O que mais me tocou foi aquilo que aprendi com as gentes mais remotas. Que são miseráveis mas encaram a situação como uma certa leveza de espirito.

“Que sim, de que vale lamentarmo-nos de sermos miseráveis senão podemos fazer nada? Para quê chorar por isso se há uma vida para viver? Pois, não tenho conforto, não tenho muita comida, o meu pai tem apenas 2 vacas para alimentar a mim e os meus 2 irmãos, a minha mãe já faleceu, mas estou vivo e o sol quando nasce dá um tom laranja á minha montanha do Himalaya, para quê lamentarmo-nos? A montanha é bonita!”

O meu guia em Pokhara de apenas 10 anos fala muito bem inglês e quer ser veterinário, está a juntar dinheiro para uma bicicleta… Houve uma pessoa com quem eu me cruzei que por mais que viva nunca esquecerei. Que me disse em inglês para os seus companheiros não perceberem, que sabia o quão miserável ele era. Que apesar de não ser letrado sabia inglês e “sabia fazer coisas e contas”, e que por isso o sabia.
Ele não dizia aos companheiros porque para eles a vida já era suficientemente difícil, eles não precisavam de saber que eram miseráveis. É fácil dizermos que nos sentimos próximos deles quando convivemos com esta gente, mas à medida que regressamos às nossas vidas quotidianas ocidentalizadas, a lembrança desvanece-se. As recordações das férias são cada vez mais apenas memórias dos bons momentos de companheirismo entre o grupo, da “avacalhance total”, das caminhadas, das viagens no tejadilho do autocarro, dos “rhinos”, das negociações de rua, das caras gastas pelo tempo, das fantásticas paisagens fotografadas, dos perfumes e sabores orientais… Gostava de pensar que não, creio que não.
Conheci lá demasiada gente ocidental que se modificou para acreditar que não. Gente de muitos países diferentes. Gente que largou família e empregos estáveis para correr mundo. Até grande parte dos meus companheiros de viagem vieram diferentes.
Notou-se claramente na readaptação ao regresso. Não foi fácil…

Acredito que quem vive uma vida totalmente enraizada no ocidente não passa pelo Nepal sem mudar. São estas fotografias que quero compartilhar convosco, que não tenho a leviandade de pensar que poderão de alguma forma sequer questionar os vossos valores, mas que pelo menos desperte a curiosidade para visitar um país onde há tanto para ver, tanto para aprender, tanto para cheirar, tanto para construir e, sobretudo, tanto para sentir…

João Matos Luís
Jan 01