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Rotas do Vento

África do Sul, Botsuana, Zâmbia, Zimbabué, Malaui, Moçambique: Odisseia no Trópico de Capricórnio – Anabela Mendes

Quando escolhemos um destino de viagem é porque alguma coisa a ele nos liga. A minha opção não teve especificamente a ver com este conjunto de países na sua globalidade mas com Moçambique. Desejei conhecer o lugar onde os meus avós viveram, a cidade da Beira, e onde nasceram o meu pai e a minha tia. Não cheguei a essa cidade (fiquei a cerca de 100Km), nem às terras onde terá morrido o meu bisavô, mas estive perto. Isto quis dizer que pude respirar uma atmosfera que me era fisicamente desconhecida mas da qual sempre ouvira falar nos múltiplos relatos da minha avó, e que me deu conforto. Esse objetivo foi simbolicamente cumprido.
E deixar para trás os territórios de língua oficial inglesa também me agradou. Finalmente podia não falar apenas francês com todos os companheiros de viagem num contexto emocionalmente não muito favorável, não precisava de comunicar em inglês com outros, e passara a usar a minha língua materna com os moçambicanos que a têm como oficial. Esta mudança, independentemente do difícil passado comum colonial, desencadeou um estado de espírito de permanente alegria. Ouvir linguajares que não o português não me causava nenhuma perturbação. O que era manifestamente interessante era o povo no seu quotidiano e no lugar das suas raízes. De norte para sul havia diferenças, claro, e as etnias transpareciam em traços e movimentos, em roupa e outros adereços. Claro era também o amplo sorriso de que sempre fui alvo e que facilitava a conversa às vezes prolongada.
Gostei de toda a viagem e teria permanecido por mais tempo em alguns lugares, por exemplo, em Vilanculos – um paraíso despojado como espaço de regeneração.
Este género de viagem não deixa grande margem para sugestões. Atravessar África num camião é mesmo isso. A passagem das fronteiras, por exemplo, é uma inesquecível aventura de resistência e paciência. Isto acontece em muitos lugares do mundo e talvez já tenha sido alvo de algum estudo sociológico, talvez também, político. Neste contexto o guia voltou a ser um elemento fundamental para que nos distraíssemos da prepotência de alguns funcionários.
Dentro deste âmbito recordo ainda uma aventura num parque de campismo no Malawi (junto ao lago) em que à meia-noite fomos compelidos a desmontar as tendas e a organizar o camião para sairmos desse parque. Uma festa da Vodafone com música aos altos berros decorria desde as cinco da tarde nesse espaço.
Negociada a impossibilidade de ali dormirmos, situação que durou horas, acabámos no conforto de um hotel mesmo ao lado do parque. Para além de nós estavam alunos de uma escola com os seus professores (crianças a partir doa seis anos de idade) a acampar durante o fim-de-semana. A eles nada foi oferecido. E nós, talvez por sermos ocidentais, conseguimos seis horas de sono depois de termos estado aos berros uns com os outros por incapacidade de vencer tantos decibéis. África também é isto.
Este espaço talvez não seja o mais indicado para expor com algum pormenor as várias etapas da viagem pelo sul de África, nem isso faria sentido. Sendo ela tão vasta e ao mesmo tempo tão concentrada, é provável que muita coisa me escape. As longas tiradas de camião, muito trepidantes e quase áridas na vastidão da paisagem estimulavam o pensamento. Revi muitas vezes a minha vida e isso foi altamente positivo.
No entanto, o registo fotográfico permite aceder a coisas de que me terei entretanto esquecido. É nas fotografias que confio para memória futura. Muitos dos meus trabalhos sobre o assunto Viagens derivam dessas imagens fugazes e circunstanciais.

Anabela Mendes
Nov 2015